Das nuvens

Um dia eu olhei pras nuvens. No dia, eu segurava uma nuvem pesada nas mãos. Eram as mesmas nuvens: as do céu e as da minha estante. Cada vez que se olha uma nuvem ela é outra. De fato, cada pessoa vê as nuvens com os olhos que tem: os cientistas veem H2O gasoso, por exemplo. As nuvens podem ser tudo o que quisermos, contudo, com esse intuito, acabamos por ignorar parte da nuvem. À primeira vista, toda nuvem inteira é incompreensível. É preciso olhá-la seguidas vezes, é preciso doar-se, abrir-se, preparar-se, então a nuvem fica ainda mais inúmera, cai em gotas milhares em nossas bocas e sacia nossas sedes. Quando o livro das minhas mãos choveu em mim, vi que os guarda-chuvas se chamavam certeza.  
Quem é inocente pensa que nuvem é só algodão doce, não é. Nuvens não são doces, embora algumas sejam. A essas darei o nome de auto-ajuda. Algodão doce nos atrai, mas seu açúcar é extraído da fraqueza, da vaidade. Algodão doce é um só, sempre. Tentamos espetar as nuvens, matá-las e forçar as crianças a engolirem como açúcar, fazemos as nuvens parecerem algodão doce. As nuvens detestam, as crianças também. Quando adultas morrem de sede em meio a chuva, a acham chata e irritante e trazem, portanto, o guarda-chuva sempre aberto e firme.     
Quando somos pequenos entendemos que as nuvens são muitas em si só, mas não são tudo o que parecem. Cada nuvem tem seu espectro de possibilidades. Tem nuvem que é coelho, tem nuvem que é avião, tem nuvem que é Deus...
Tem gente que se especializa em matar nuvens, dizem aos outros que são lindinhas, bonitinhas e docinhas aos ouvidos. Essas pessoas não se abriram, apenas leram até que se formasse um canudo de suas bocas vorazes até as nuvens. Forçaram-nas a descer segundo o que elas imaginavam. As nuvens se recusando, vieram a força porque muitas não tem mais seu dono. Vieram, mas ainda enquanto gás. Os vampiros que matam as nuvens assim ficam cheios, como balões, e acabam arrotando, as vezes em sala de aula.  
Estudar as nuvens é se preparar e tomar banho de chuva. Ensiná-las é preparar para o banho que os pupilos acabarão tomando. Estudar literatura é esquecer que se é grande, esquecer que se é, e voltar
 a olhar pro céu.    

Comentários

Rafael disse…
Cada dia que passa percebemos que não somos unicos. Cada dia mais a gente tem consciencia de que ser criança é um desejo comum, e que é belo ser criança, e que não voltaremos a ser uma.

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