En France, une française


Coca-cola. Um mini rio negro fluindo da garrafa ao copo. Solimões para dar a bebida um tom dialético, um ácido mais ácido. Uma lembrança instantânea do Brasil. Uma garganta, apesar das exigências de avidez, preguiçosa e vadia tragando o intragável por puro diletantismo. Ela não viria, não importava quantos martinis com coca ele tomasse, quanto tempo olhasse pra varanda esperando, quantas vezes o som gritasse “like someone iiiin loooove”.

De repente, a porta abre e ela entra a pequenos passinhos, no seu sapato vermelho, tira o casaco com a mesma maneira doce de sempre.

- Je suis desolé, je suis em retard.

Ele virou a cabeça como que ignorando o que ela dizia, e de fato queria ignorar, mas sua doçura irritante e sua meiguice incondicional o impediam de ser rude como ele queria.

- Das outras vezes tive alguns problemas, não pude vir. Venha me dar um abraço, estou morta de frio!

Ele foi sem que a informação sequer passasse por seu cérebro e enquanto a abraçava, lembrou-se que estava irritado. Ela falava um português pigarreado.

- Je t’aime mon p’tit!

Foi como se o seu coração duro e rancoroso que ele construira com árduo trabalho se dissipasse, desse lugar a um bobo e feliz. Conversaram durante toda a tarde, e, embora houvesse passado a tarde, poucos minutos pareciam ter se passado. Ela fumava, com os olhos vidrados no tempo e passava as mãos nos cabelos ondulados, castanhos. Ele hipnotizado.

De repente o celular dela toca, ela atendeu, mas falou muito rápido de forma que ele não compreendeu.

-Ça était ma mère! Je dois sortir maintenant, au revoir...

Os olhos dela brilhavam, preguiçosos, ela o abraçou e saiu. Desceu as escadas, ele a observava da varanda. Decidiu segui-la. Na esquina, ela vê um carro conversível se aproximar, olha o condutor, sorri, entra no carro, o beija. Ele, no entanto, só viu o beijo. Lembrou-se que estava com raiva e que já sabia de tudo, esqueceu-se de desmascará-la. Voltou pra casa. O telefone tocou, ele correu para atender. Era ela.

- Je pars, au revoir.

Alguns anos depois, a porta abriu. Ela era, com seus sapatinhos vermelhos.

- Bonjour?

Ele teve vontade de mata-la, mas então ela acendeu um cigarro, o olhou como que confusa, jogou os cabelos. Ele, hipnotizado.

- Desculpa ir embora sem nem te avisar que havia me casado, pai.

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