Créez, croyez, criez


“A última olhada no espelho, sairia aquela noite, rumo à vida. E é claro, é preciso preparar-se para a vida, é preciso segurar firme esse batom vermelho e passar com uma volúpia inconsciente contra os lábios.”

É preciso derramar sangue para desfrutar a vida. Olha só, uma metáfora. Pensei enquanto digitava essas linhas contando aos meus leitores dos meus feitos do dia. Sim, porque passei batom com sede de vingança, porque o meu desejo era mostrar a ele que eu podia, tanto quanto ele, conseguir alguém e que eu não dependeria sempre dele. Ele, ele, que ele? As coisas acontecem assim em minha vida, uma longa tradição, talvez algo siberiano que veio de geração em geração até a mim, passando antes por ratos de subsolo e escritoras de tchetchelnik. Assim como?

Assim, inventadas. Primeiro, inventei que tinha um namorado, não, quando inventei era algo menos informal. Era como uma amizade colorida, e nos atracávamos sem compromisso, até que eu de repente o telefonei. Escuta, você! Eu disse. Te dei carta branca sobre o meu corpo, mas você está levando minha alma junto. Então ele foi colorir com outra, eu o cobrava, disse ele. Aí inventei que eu o havia pegado na cama com essa outra e corrido pelas ruas nevadas chorando, de coração partido. Ah sim, porque já que ia inventar algum lugar era essencial que houvesse neve. Isso tudo inventei enquanto tomava sorvete, lamentando-me por não ter com quem sair no feriado. Tudo bem, isso também tem um pouco de invenção, não tinha sorvete, só um miojo que encontrei no fundo do armário. Mas o que importa?

Bem, então ofendida com a situação toda, tratava de chorar torrencialmente e borrar a cara com essa maquiagem caríssima que inventei comprar. Então como numa epifania, decidi que não dependia dele, foi quando inventei que me levantava da cama e passava batom, simbolicamente, como que fruindo do sangue quente que jorraria dele depois que o matasse. Foi nesse momento, emaranhada entre as minhas invenções, divertindo-me com as pessoas que leriam meu blog pensando em como minha vida é trágica e a delas é absolutamente sem graça, que ela veio. A metáfora.

Eis o que houve: enquanto inventava que passava o batom (caríssimo, por sinal), numa referência a cor do sangue que jorraria, um pedaço de macarrão me ficou preso entre os dentes de uma forma tão irritante que perdi o raciocínio e então lá estava. A metáfora. Não se separa a cor do batom dele próprio, nem o sabor do macarrão do macarrão. Se eu queria o sabor, teria também o macarrão entre os dentes, se queria a cor, teria também os lábios engordurados, por isso, por essa metáfora que hoje me iluminou, digo:

Se você quiser meu corpo, a alma vai junto.

Entendi porque estou solteira, continuei a palitar os dentes e depois morri. Sim, porque ele existia, e me matou por saber que o mataria, e esse texto...

Bem é uma invenção.

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