Escapastre?



    Mesmo parado, fujo. Imóvel, com o livro nas mãos, fujo. Medito ao contrário, me esvazio me enchendo de ego. Sou o maior oxímoro do mundo. Me lanço às margens pra pôr em evidência o que quero julgar. Fujo, escapo dos olhares alheios estendendo um dedo e, com a cruz pendurada no pescoço, condeno. Quero a coroa, mas não o peso do ouro sob a minha cabeça. Sou Narciso de costas para o espelho. Amo-me, por isso escapo. Me esgueiro entre as pedras lanceadas para me esquivar do meu próprio olhar. Faço feitiços e encantamentos pra me apartar de mim, impotente, com os livros nas mãos, covarde. Arrasto toneladas de pele e veludo pelos salões de pedra, para que não me percebam, pequeno e corcunda. Não se engane, o meu valor não está na realeza (irreal?), o meu valor é o sarcófago de Tutancâmon. O meu valor está no cerne de mim, no âmago, no nó vital que jamais ousarei tocar pois sei de seus tesouros, mas também de suas maldições. Fujo porque não saberia lidar com o que encontrasse. 
         O mundo é uma caverna  bifurcada e a luz sou eu, rei/sol.   De um lado, o mundo como poderia ser, do outro o mundo como é, transito entre as duas câmaras da caverna sem ousar a luz. A luz não só me doiria, me destruiria, seria impossível evitar a transformação. O lobisomem vê na lua indômita a liberdade. O seu brilho é feito de resquícios de dias, mas ela revela o bestial. Tenho medo do lobo em mim, fujo, me dedico aos livros, câmaras da caverna. Me dedico à venda, me dedico a não enxergar. Me dedico a tudo, menos a mim e assim passo, feito sol esquálido em dia de neblina, passo como uma tarde qualquer. Me ponho aos solavancos, fujo do reflexo e da reflexão. 

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