Movimento assistido


Caminhava. O passo se deteve, ouviu a brisa surrando flâmulas, mas não havia nenhuma ou bandeiras ao seu redor.  Mais um passo, e novamente o som do tecido sendo batido pelo vento. O mundo era estranho de tal forma que não nos importávamos com essas coisas. Não olharia para trás, pensou. E seguiu o dia. Tomou um café, correu pro escritório. O amigo do cubículo ao lado estava de férias, era só ele e a tela de seu computador por mais algumas horas. O som maquinal do aquecedor ligando, olhou pela janela e uma chuva fina era o cenário para um bando de pássaros migrando pro sul. Os movimentos em sincronia, moviam-se como cardume. 
Questionou a relevância do mundo por um instante. Por que tanta energia gasta em mover-se? Por que perder as folhas no outono e migrar pro sul? Por que girar ao redor de seu próprio eixo? Lembrou-se de um livro que havia lido. 'I move, therefore I am!' disse uma das personagens. Se o movimento era existência, então, como ele existia ainda se sentia tão estagnado? Tão o mesmo de dez anos atrás? 
Dez anos atrás, sua mulher o deixou. Às vezes eu só queria alguém que tornasse a minha vida mais leve, disse. Alguém que se concentrasse menos na filosofia de ser feliz e fosse mais feliz ao meu lado, alguém que sorrisse e me fizesse sorrir. Alguém que soubesse restringir sua gravidade para os momentos de solidão. Alguém mais divertido, mais jovem, mais vívido, alguém menos triste. 
Pra ele porém, cada coisa nova que entendia do mundo era tristeza. Ignorância é uma benção e conhecimento é tristeza. Você pode ser feliz pensando que papai noel existe ou triste sabendo que seus pais terão que trabalhar horas pra te dar um pedaço de plástico em formato de carro. Você pode ser feliz pensando que nuvens são algodão doce ou aprender a lidar com a beleza factual de que o mundo não é feito pra te agradar. Aliás, ele odiava crianças que acreditavam em papai noel. Que egoísmo que a gente impõe às crianças! Não ser um estorvo pras pessoas que te cercam é premiado?! Por que ele, enquanto ser humano, não recebia um prêmio então... Talvez fosse um estorvo. 
Talvez devesse ser mais feliz. Isso! Ele mudaria, seria feliz sempre. Como quem acabou de receber boas notícias, como quem acabou de nascer e não tem experiência nenhuma, como quem não liga pra nada, como quem sai do trabalho às seis e ignora novamente o barulho de tecido ao vento, como quem decide sorrir pras luzes da noite e caminhar a passos largos. Como quem de repente é atingido por um caminhão, 18 rodas. Como quem vê, do chão, descer do céu a morte envolta em tecido negro a farfalhar no vento.  

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