Tarde


Abro a janela e a brisa da tarde toca meu rosto com seus dedos longos e frios, espraiando a salmoura que brota dos meus poros. As moscas descansam e as gaivotas voam em círculos enquanto as nuvens ganham volume e avançam ameaçadoras. A vizinha da varanda mais próxima ri enquanto estende suas roupas que não secarão. Deus, penso, se ri também: tua felicidade antes da tempestade é ignorância ou desdém? És tola ou zombas da ira das águas? 


Não, Deus não se indaga. Deus é o silêncio úmido que se instaura segundo a segundo, a tragédia e a graça. A indiferença com enormes olhos que vê através das joias, dos carros, das varandas, das janelas, dos poemas e da erudição. Deus é a nudez absoluta, a dissolução de todas as fronteiras. 

As primeiras gotas caem pesadas como gargalhada, é Deus achando graça de minha pequenez e ousadia em tentar saber o que diabos Deus é.



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