Azazel



Vou lembrar de todos os "bons". Dos que antes que eu soubesse o nome das cores, me fizeram me sentir abominável por ter passado corretivo nas unhas. Dos que me ouviram não como uma criança, mas como viadinho da voz fina. Vou lembrar de quem me proibiu de brincar com as meninas no intervalo pra aprender a virar homem. Dos coleguinhas que copiavam o meu dever de casa, mas não estavam do meu lado quando me colocaram em cima do armário. Vou lembrar dos "melhores amigos" meninos que foram meus amigos até alguém dizer que devia ser meu namorado por estar "andando com a bichinha". Vou lembrar da "cadeia do amor" da festinha junina. Vou lembrar dos pais dos amigos que me proibiram de telefoná-los. Vou lembrar de levar a culpa pela falta de diálogo nas casas alheias, e de ser má influência mesmo sendo quem tentou dissuadir as pessoas de fazerem algo sem pensar. Vou lembrar de ouvir que quem eu mal conhecia me odiava e vou lembrar de me achar enfim livre em um certo momento. Do consultório da psicóloga e suas questões, na cabeça dela, decisivas como "você gosta de alguma diva pop?". Vou lembrar de, já na faculdade, ter minha sexualidade como pauta na boca de homens de meia idade que só queriam "o diploma mesmo" e de lembrarem meu nome novamente quando a incompetência os impossibilitou de escrever qualquer coisa decente. Vou lembrar das pessoas cuja familiaridade com a medicina era tomar dipirona aqui e ali , mas estavam certos de que eu estava sofrendo de uma doença. Vou lembrar das amigas que queriam um amigo gay, como quem quer uma bolsa. Como acessório. Vou lembrar das pessoas cujos filhos "precisavam muito" de aulas de inglês, mas eu teria que ir dar aula escondido porque o pai não necessariamente gostava que eu existisse. Vou lembrar de viajar pra visitar um amigo e de ouvir no trabalho boatos de que eu fui visitar um "cliente". Vou lembrar da conversa aberta da família com meu então cunhado sobre as intenções dele com minha irmã e de viajar só de ônibus por 20h pra encontrar o meu primeiro namorado. Vou lembrar das minhas mãos suadas no cinema segurando timidamente outra mão e o olhar de ódio da funcionária ao ver. Vou lembrar de um rapaz com quem conversei online por alguns dias e, depois dele parar de responder, descobri que tinha sido morto à paneladas em sua própria casa. Vou lembrar de viajar junto com o resto da família pra ir ao casamento da minha irmã e do meu casamento, uma vergonha pro meu pai. Vou lembrar que não foi dia 28 que as pessoas se revelaram os animais raivosos que são, mas que sempre normalizaram seu próprio ódio. Vou lembrar, e vou lembrá-los, que apesar da arrogância deles a minha existência não é pra satisfação alheia. E lembrem-se que eu não esqueci.

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