Filhas d'água de sal




Olhos turvos de mar em ressaca, um azul bizarro que cintilava com a fúria que sua alma carregava. Sua voz era metálica, como o barulho de uma foice sendo afiada. Aguda de tal forma, ela fazia o que podia: ceifava a emoção que escapava das pessoas e tentava as tomar para si. Cada gesto seu era uma incisão. Para ela, a doçura era um eufemismo hipócrita. Ela poderia ser a força aparentemente maleável do vento, contudo, era cortante por ter sido a janela por ele estilhaçada.

Em seu apartamento, abria todas as cortinas e janelas em plena tempestade e colocava a música mais intensa que conseguia achar. Mesmo assim, as coisas ainda pareciam um tanto quanto suaves e amaciadas. Outra vez ela tentara o rock, mas percebeu uma intensidade muito óbvia. Ela gostava da calmaria que seduz e depois traga fugaz sua vítima, como um algoz que tivesse a doçura de uma princesa.

Desceu correndo as escadas e atravessou a rua, sentou na areia. Com as mãos em concha esperou o mar vir até ela, bebeu a água salgada. Olhou para o céu como que clamando por redenção, ela queria do mar o que não podia lhe tirar: a intensidade e o movimento. Estilhaços de vidro são terríveis, mas imóveis e sem vida. Ela era assim, cortante e estagnada, nunca foi amada de verdade pois sempre a amaram como ela era, logo, ela não poderia se tornar outra coisa.

As lágrimas rolaram, inevitáveis, embora seus olhos ardessem dolorosamente, como se as rejeitassem. Cansada de tentar mudar sem conseguir, de ser uma ferpa feroz e insignificante, deitou-se e esperou ser tragada pelo mar. Sussurrava como uma oração, como que clamando pela morte. E então, alguém se sentou ao seu lado:

Olhos turvos de mar em ressaca, um azul bizarro que cintilava com a fúria que sua alma carregava. Os cabelos encaracolados e ruivos, ela não sabia quem era aquela estranha, mas sabia que juntas eram pedaços de um quebra cabeça que as tornaria menos inúteis. Enxugou as lágrimas da outra. Os lábios se aproximaram, um beijo gélido e sem paixão, ácido. Ambas agora eram intensas, andavam de mãos dadas pela orla. E numa ressaca do mar não prevista, ambas foram engolfadas, morreram afogadas. Continuando inexistentes, nenhuma delas precisaria mais de músicas e tempestades, tinham uma a outra.

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