Poussière


Imagem por Jenn Whiteside


Eu passo entre muitos como se fosse uma brisa morna das tardes de julho, cativo alguns poucos que erguem a cabeça como se dissessem “te sinto”. Sou atingido por cada olhar que, mesmo não intencional, se faz flecha e me exalta ou me humilha, enquanto simultaneamente disparo olhares ineficazes. Mentalmente rezo para que alguém note que não sei como viver e vivo assim mesmo, talvez mais que quem saiba, mas é preciso, dizem, saber viver. Por viver sem saber, acabo vivendo tudo aquilo que não é sabidamente vida, mas é tão possível que seja que é ainda mais vivo.

Não acato, mas não quero negar os trilhos e dormentes passando velozes e o céu rosado se fechando em nuvens púrpuras como se acabasse o tempo do mundo depois se desfazendo em chuva fina da qual pareço sempre estar protegido, a qual pareço sempre desejar platonicamente. E então o escuro.

O escuro que não vem acompanhado de silêncio, mas do som metálico de grandes rodas velozes, indiferentes, o chacoalhar do meu corpo contra o assento de plástico e ainda mais julgamentos que exalam da pele de todos que, sem saber, julgam; eis o que recebo. Dentro dos túneis deveria estar fora de área, mas não existe um lugar assim em vida. E o que se faz com o amor que nos é transmitido mesmo através do ódio? O que se faz ao receber além dos próprios efeitos do que recebemos? O que se faz além de sentir fluidos corporais esfriando as palmas e esquentando as maçãs do rosto? O que se faz além de se sentir menor do que tudo o que é parte do Deus por simplesmente agir como ...

Então flutuo sem raízes como um grão de poeira que se destacou da grande obra de arte, cumbuca de barro. O que me resta é receber o que queira, Deus, suportar cada semelhante que ainda faz parte de ti me observar com pena e cair lentamente ao seu lado. ­

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