SEMEN IVGER CRESCIT.


Só sei dizer que luzes mais felizes foram vistas por mim. Das areias da praia, do alto dos prédios, todo tipo de luz de toda forma diferente e nunca uma tão desoladora como a claridade crua do monitor azulando-me os dedos. Imagino que máquinas de escrever não consolaram de maneira muito melhor, porém. Mas braços de ferro, marcando em tinta são mais convincentes que tentar estabelecer um último vínculo com o mundo através dessas letras que fluem direto do pensamento e passam pelos dedos apenas com a mecanicidade de um telégrafo batendo. O que aconteceu?

Eu não sabia que era um astronauta no planeta terra, nem sabia que meus passos determinados rumo a um futuro brilhante eram na verdade passos vacilantes de quem não é muito afetado pela gravidade, e, a uma grande parcela dos seres que aqui habitam, a ideia de ausência de gravidade é uma forma sublime de se imaginar acima dos demais, mas me incorre fatalmente que a terra é redonda. Pareço estar acima por alguns instantes e com um pouco mais de distância noto que estou ao lado, e sou insignificante e me distancio.

Talvez o riso que demos pelas tardes de sábado tenha adiado tudo, e tenha me feito realmente feliz, talvez o nosso riso tenha me firmado e eu tenha sentido o calor do magma a quilômetros abaixo de nossos pés. Não é mais possível pra mim, por mais que tente, que esse riso seja mais que uma superficialidade. Rio buscando o calor da existência de todos que me cercam e me querem bem e, em vez disso, o que percebo é que o meu eu mais íntimo permanece oprimido como dentro duma semente enrugada de pêssego, cercada de suculências e superficialidades e doçura.

Não sei ao certo que tipo de morte me aguarda, mas mesmo que uma morte simbólica seja o máximo que me vá acontecer, sei que é inevitável que a casca e a carne apodreçam para que a semente seja abrigada pela terra e possa germinar. E após tudo, posso não ser imponente ou frutífero, mas mesmo que um tímido broto seja tudo que transborde da dureza de mim, alguma coisa viva, fértil, e, sobretudo inocente, haverá nascido. E o que é a vida senão o tempo que levamos para atingir a maturidade e depois podermos ir além dela pra apodrecer sem medo de como seremos vistos, livrarmo-nos das superficialidades e, enrugados, brotarmos, brotarmos com o melhor de nós? Morro para que o meu interior verde e frágil, ainda indômito, se lance rumo ao nada, pelo prazer simples de mais uma vez, mais uma vez, crescer.

Comentários

folhetim felino disse…
Lindo, como sempre! Gosto desse sentimento íntimo que seu texto transborda a quem o lê. É uma poética tão bem feita que não tem necessidades de fôrmas específicas ou qualquer explicação racional, pois tudo se explica pelo que fica sentido. Gostei mesmo. Bjo.

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