Wherever

"Na madrugada insône o tempo compõe um lamento sem par

Espasmos, maldições

Só Deus presencia O não-lugar que faz-se sempre o meu lugar"

Ellen Oléria

Obviamente ela sabia que seu lugar não era ali. Não pelo excesso de pessoas, de lojas, de cores, de luzes. Ela era indiferente a tudo isso, simplesmente não era dali. Em seu caminhar afetado, com ombros “en arrière”, havia algo de estrangeiro. Ela certamente não deveria ser daquele lugar. Com “outro lugar” ela sonhava e clamava, durante a noite. Um dia, por motivos que não interessam, foi parar em outro lugar. O seu princípio em Outro Lugar foi dolorido. Ela começou por se sentir diminuída por nem sempre ter vivido lá, e depois foi se sentindo habituada aos nomes das ruas, aos lugares, às pessoas. Passado o sentimento superficial de êxtase por morar em Outro Lugar, ela começou a se deixar ser tragada pelo seu lado... Ela começou a observar melhor as pessoas, seus gestos, suas maneiras, até a sua maneira de simplesmente existir. Obviamente ela sabia que seu lugar não era ali...

Inquieta em seus pensamentos, ela escorava a cabeça no vidro do trem e tentava ignorar tudo ao redor. Outro Lugar ainda não era o lugar. Foi numa dessas estações que jamais seria cenário de algum filme romântico ou de comercial de perfume que outro trem emparelhou-se ao seu. Havia um rapaz, com o olhar perdido. Ele não era dali. Ela se sentiu feliz por haver encontrado alguém como ela. Então uma mão tocou o ombro do rapaz, o olhar se desanuviou e ele sorriu. Começaram a andar os trens e o rapaz se fundiu com o metal veloz, com as cores das roupas, as luzes. O telefone tocou e ela imaginou também o seu olhar se desanuviando. Ninguém daquele lugar entenderia, mas ela acabara de entender que não há lugar pra ninguém quando se pensa em Algum Lugar, ninguém é de Lugar Nenhum.