Fotográfica


E então a música, ridícula música de letra ambígua te assalta a cabeça. E você ri, com gosto, até que o riso se torne desesperado e então vem também o nó na garganta e o riso se desfaz em um não saber lidar maior do que o que se pode lidar. Olhe ao redor, sim, olhe ao redor agora! Não se pode organizar essa bagunça que aos olhos te parece organizada, mas que teu coração sabe que é o mais infernal caos. Tuas mãos, essas mãozinhas pouco encantadoras, tateiam na penumbra do universo em busca da felicidade que não é maior que uma cabeça de alfinete. Esses livrinhos, querida, que tuas unhas mal pintadas tateiam, logo após enrolar o fio do fone de ouvido, não serão jamais a tua salvação. É uma experiência bem estética não é, meu bem? O cigarro vacilante nos teus dedinhos gordos com unhas curtas, enquanto a outra mão mantém o livro aberto em teu colo. E o que diz o livro? “O meu amor no teu que passa. Colinas, pássaros, teu momento, meu passo.”

Isso, olhe pra cima pra soltar a fumaça, como se abstraísse algo do que leu, fica bonito assim. E então, com essa roupinha listrada, rode o gelo no copo de whisky com as pontas dos dedos. Ele se apaixonará, escute o que eu digo. Mas o que será de você? Assim, tão calculada, tão previsível? Você não é sensível meu amor, você só tem visto filmes demais, observado demais o que enche os olhos. E ele vai se apaixonar por você, mas vai te destruir, porque ele é puro ímpeto, você não o organizará, amorzinho. Haverá o dia em que você, por algum motivo, vai errar sutilmente no cálculo e ele vai te adivinhar, e os olhos dele ficarão opacos com o vazio que você é. Corra querida, olhe ao redor, você não pode lidar com essa bagunça, engula a bosta do gelo, sim, duma só vez, e entenda que é melhor assim. É melhor essa coisa te rasgando a garganta e seus olhos avermelhados pela falta de ar quando ele passar, um dia ele vai te amar igualmente, e vocês serão um pandemónio.

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