NOus


Viscoso desespero tátil escorrendo pelas faces e o consolador cheiro da fumaça. Fim. Milhões de textos e palavras, paradigmas infinitos, adjetivos em excesso. Nada. A folha branca em frente como a representação máxima da existência humana. Enchemo-la de rabiscos e ditas “experiências”. E assim tão plena, tão rica de tinta, negra, ela é gêmea. Equilíbrio? Tudo tão articulado, tão perfeitamente sistemático, estrutural. Começou com uma oração, a língua. “Deus é uma bengalinha que utilizamos quando não suportamos a insuportável tarefa de viver.” Quando enchestes o peito de angústia e olhaste ao redor clamando por sentido, quando chovia e teus cabelos desgrenhados coçavam de nojo da existência, ali que respirastes profundamente e melancólico, gritastes. Gritamos também agora, mas até nós nos tornamos tão simplórios que o nosso grito faz voltas antes de sair de nossas gargantas inúteis e efêmeras. Torções e distorções se fazem e a nossa angústia escapa de nossos lábios abobalhados em forma de “olá, tudo bem?”. E saem assim, polidos, floreados, de forma que embebemos o nosso discurso em palavras de efeito e nossas entranhas reclamam guturalmente, deixando clara a podridão que carregamos. Resgatemos o mau hálito que faz par com toda essa coleção de palavras belas e elevadas:

Pai, estamos aqui nesse bolo de convenções que nós mesmo inventamos maquinal e lentamente até que não mais lembrássemos por que era que tínhamos tanta angústia, e por que gritávamos, meu deus? Gritamos sempre, ainda que não mais saibamos ou escutemos. Gritamos agora e na hora de nossa morte. Amém.

Foi o fogo! O fogo nos tornou humanos e a purificação foi tão intensa que viramos alvos lenços de seda soltos ao vento. Flanamos contra a beleza do céu azul, e esse voo, aparentemente belo, composto da miríade de voos sem destino, esse voo das multidões saindo do metrô, atravessando ruas, atendendo telefones, é só um disfarce. No fundo sabemos, há algo. Há em nós um brado de descontentamento, talvez o mantenhamos velado até o nosso velório. A menos que exista algo que possamos fazer, talvez a escrita, talvez um cigarro, talvez as lágrimas...

Viscoso desespero tátil escorrendo pelas faces e o consolador cheiro da fumaça. Fim. Milhões de textos e palavras, paradigmas infinitos, adjetivos em excesso. Nada.

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