Lake
Estrias d’água, áspides de luz, vento. Se ao menos tudo fosse tão impressionante como parece ser. Áspides de luz? Não, ele estava moribundo num dos bancos do metrô. A cabeça pendia para os lados enquanto as pálpebras se uniam. O metrô se enchia pouco a pouco e a chuva era tão fina que apenas umedecia as janelas. Escrita japonesa com nanquim transparente, diziam os ideogramas de água: sem graça.
Entra o moço com os braços tatuados, polpudos, a mulher elegante com colar de pérolas, o senhor garboso, a adolescente com coxas bem delineadas, os rapazes dos olhos claros, as moças dos cabelos lisos... migurushii.
Sumariamente ignorado, ele dormiu, enfim. Sonhou. O sonho era assim, quase dadaísta:
Luz leitosa e vacilante
Hélices
Uma língua ao redor de um picolé
Voz grave
Um olhar furtivo e penetrante
Dois adjetivos
Sapatos e pés e pernas cruzadas
Cruzando-se
Um banco de madeira
Pronto para casais
Um jovem solitário
Em uma das curvas do S
Cartas impertinentes cruzando os espaços a cada segundo e...
O telefone mudo
O coração mudo
O tempo incólume
Os olhos se abriram e foram alvejados por um clarão que jamais tinha sido percebido. O trem sai do túnel. Rasgando a superfície de gelo, ele interrompe a imersão e reencontra todo mundo, finalmente o percebem. Ele lança um olhar. O objeto da mirada o analisa rapidamente e o ignora. Sem graça.
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