Bacana


Olá, me poupe das apresentações, eu sou uma personagem cujo nome não direi, pois tenho pretensão de ser intenso. É assim, aparentemente tudo tem nome, até você sentir aquilo que é tão intenso que você mal pode falar a respeito. E nomear isso é como destituir o mar de toda sua água. É assim que se tenta narrar o que alguém poderia sentir em determinada situação, mas sem querer ser injusto... E sem querer ser injusto não se faz representações, sente-se ou não. Por isso todo artista é um fracassado, um incansável perdedor, um miserável, um...uma pessoa que sente e não sabe como descrever, ou representar.

Ou Aristóteles estava errado e não há representação, só uma força. É quando você tem a sensação de que as coisas são grandes demais para ficarem no que você é capaz de perceber. Olha, eu vou tentar ser simples, mas me repudie se eu for. Simplificação costuma ser banalização, mas se você enxergar o quanto tem além disso... Então, era uma foto. Uma foto banal, da estátua da liberdade. Todo mundo olhava e dizia: nossa, que bacana! Bacanal! Não era bacana, era muito mais, era a realização de um sonho blá, blá, blá. Imaginou a situação? Isso no nível mais básico. Sabe, tenta pegar a foto da pessoa que você mais ama e mostrar a alguém. Na melhor das hipóteses, dirão : ó, mas que pessoa bonita, você tem sorte. E você tem, porque você sabe que aquela pessoa não é só bonita. Então, nas outras hipóteses, é mais: ah tá, é essa pessoa. E é isso. É uma decepção e você não pode fazer nada. Você não pode fazer ninguém sentir o que você sente quando você vê a foto, quiçá quando vê a pessoa, quando a toca.

Eu tenho medo. De falar demais e de repente transformar tudo em firula, frescura e festa. Magritte naquela figurinha que se tornou clichê: ceci n’est pas une pipe. É isso, você queria a fumaça, o cheiro, a sensação de fumar o cachimbo... você pode desenhar um cachimbo e tudo mais, mas o que diz o desenho? Isso pertuba demais.

E o que você faz, se mal consegue um cachimbo, e te jogam na cara o amor? Vá besta, faça algo que seja o amor. Ou morra tentando. “A melhor definição de amor não vale um beijo.” Disse M. de A. Ousado, tome a vida então. É preciso um certo orgulho... é preciso ser persistente o suficiente pra levar uns sopapos e não desistir, e tentar e tentar e tentar... e sempre fazer mais. Até que um dia você acaba descobrindo que o mais só existe pelo menos. Aí você descobre o meio do caminho, o mais ou menos que permite que Malévitch seja Malévitch e não desista da carne infinita que é a vida, nem limite-a a um campo com flores... É o nada que pode tudo. As pessoas não se perdem nessa bobagem longa, gostosa, sublime e grotesca. Todo mundo é bem espertinho, todo mundo chega e fala: “Que idiotice! E essa tela toda branca? Ok, devo fingir que entendi.”

É isso que eu chamo de inspiração. Quando chamam Clarice Lispector de louca babaca na minha frente. E as pessoas vêem as outras numa batalha interminável e pensam: por quê? Aí você pensa em quanta gente nunca pôde ver isso. Você não pode dizer o que é porque não há um nome, é muito intenso para um nome. As pessoas não vêem sentido, é tudo prático, tudo. Tudo tem uma finalidade hoje em dia, poxa!

Será que eles já pensaram que eles irão correr para seus empregos e vidas bem sucedidas e serem bem sucedidos, e serem bem sucedidos... e...e o quê mais? Quando morrerem, de que vai ter adiantado ser bem sucedido? Somos essencialmente mais inúteis que telas vazias, e sequer as compreendemos em sua inutilidade. É isso que eu chamo de inspiração. Por que me dá ânsia de escrever pra te fazer ver e talvez sentir o que se sente. Eu não sei bem o que é, ou se realmente sinto, ou se preciso sentir, sei que você precisa de mais. Mas você não precisa entender, só precisa e uma frustração. Precisa mostrar a foto, e se sentir mal quando ver que a pessoa sequer vê sentido no seu ato de mostrá-la.

Talvez eu e até isso falhe, mas uma música consiga! Talvez você escute uma música e tenha um flash de bem estar ou de qualquer outra coisa... aí você mostra pra alguém... alguém que virou uma vaca com excesso de utilidade. E a pessoa rumina a música da tua vida e te devolve um vômito verde: é, bacana!

Isso que foi escrito? Bacana? Melhor seria se eu tivesse deixado essa folha em branco. Não diga que sentiu nada, você não deveria. Isso é só o abridor de portas.

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