Great Expectations


"Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas" - Clarice Lispector


Um relâmpago iluminou lhe a face com uma luz arroxeada. A água caia do céu tão suavemente que ele se sentia irritado enquanto, de olhos fechados, tentava capturar as gotas com a boca. O céu dava prenúncios de um dilúvio eminente, mas só havia a garoa, e o escuro da noite, sem epifanias, sem banhos renovadores. Sentou-se.

Um farol irradiou pela rua, luz amarelada iluminando as gotas da chuva, que pareciam muitas, mas não eram. Ela dirigia, esperando o vento atingir-lhe os cabelos e presenteá-la com o aspecto das loucas de forma que, quando chegasse em casa, ele a visse e, com um abraço, se derramasse em prantos e perguntasse por que ela o havia deixado. O fato é que ele não se importava e, na verdade, sequer a receberia. Parou o carro.

Um cigarro acendeu. Escorado num poste apagado, ele fumava. Esperava o momento exato em que a neblina se tornaria um pouco mais densa e o poste seria ligado. Parece banal, mas assim ele existiria, ele nasceria. Como quem passa da invisibilidade pra existência latente e incontestável, porque não se ignora pessoas fumando escoradas em postes no meio da neblina. O cigarro acabou.

Um celular piscou. Com as unhas feitas ela o pegava cuidadosamente. Seu peito se enchia de expectativa pela resposta da recente declaração via sms. Respirou fundo antes de abrir a mensagem. Pressionando o botão com as unhas vermelhas, a espera de um “Sinto o mesmo, precisamos conversar”. Era uma mensagem da operadora: você tem uma mensagem de voz. “Oi, recebi sua mensagem, mas acho que veio desconfigurada”. Desligou o celular.

Uma fogueira foi finalmente acesa. Começaria o luau pelo qual eles tanto esperavam para poder esquecer-se de tudo. Esquecer-se das mazelas do mundo e dedicar-se, quase ritualisticamente, à música, à diversão, à amizade. E no primeiro acorde, nas primeiras palavras “So, you think you can tell heaven from hell...” foi o amor que veio à mente de todos, e eles lembraram porque estavam todos ali, infelizes. Começou a chuva.

Um vagalume brilhou e embora não esperasse conscientemente algo disso, não brilhava a toa, mas eram tantos os relâmpagos, os faróis, os cigarros, as fogueiras, os celulares. Nenhum outro vagalume o notou.

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