Existence Subjonctif


Uma torrente de água morna lhe corria pelas costas. Aliviava-o da dor que ele não sabia ao certo se sentia. Não tinha plena consciência do porquê, do como. Sabia que vivia e que a vida era uma batalha. Salvo quando estava no banheiro, ele parecia certo de que vivia. A existência era como um fio de vapor pairando, incerto. O que representava para o mundo que ele tivesse nascido, que ele talvez existisse e que um dia morreria?! Ele queria que o sol se comovesse mais.

Sua tristeza confiava à insignificância sua maior grandeza. E todas as madrugadas, no banho, ele tinha virtudes e inspirações que o ultrapassavam, mas eram seu maior segredo, tanto que ele não os sabia. Ao fim do banho, comia. O gosto de papel alumínio era inevitável em sua marmita de arroz, bife de uma carne qualquer e macarrão empapado num molho quase ocre, que era mais composto de gordura que de tomate. Na televisão, filmes antigos de bang bang, e às vezes DVDs de gang bang. A sala pequena, mal arrumada, o sofá gasto. O assoalho era como uma representação do que o mundo era pra ele. Áspero, vil, concreto insensível. Mas ele também não sabia disso.

Acordara, depois de uma noite mal dormida, regada de tranquilizantes rajadas de balas. Escutava com impaciência o choro das crianças da vizinha. Vestiu o uniforme e foi tomar o ônibus para chegar à construção.

No ônibus lotado, ele teve a idéia de tentar pensar em algo além de futebol, e atingira um vazio psíquico de invejar mestres de yoga. Não que ele soubesse disso.

Após lutar para se desvencilhar das pernas, braços, bundas, sacolas e crianças, desceu do ônibus, viu passar um carro preto de luxo, limpíssimo, e entrar no canteiro de obras. Estava atrasado, hoje o arquiteto ia ver como andava o prédio, certamente levaria uma bronca do chefe de obras e perderia o direito de não trabalhar no feriado. Disso, sim, ele sabia.

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